sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Sonetos da Infância da Alma (de Alma Welt)

(Como todos os ciclos de sonetos da Alma, estes devem ser lidos em seqüência e na ordem correta de numeração, pois assim produzem uma estória inteira, como uma pequena saga interior da autora).

Prólogo

Manhã de esperança, mar rosado,
Línguas douradas no azul nascente;
Assim vejo o arrebol sobre o telhado
Do casarão pousado à minha frente.

Aqui nasci para o amor, embora
Tenha sido parida numa estrada
Tal como narrei em boa hora
No meio de uma saga inusitada.

Mas esta casa-grande na cidade
Que ainda resta na família endividada,
Contém o sótão onde tanto fui amada

Lembra, Rôdo, amantes irmãozinhos,
Como era nosso amor na tenra idade,
Quando ali brincávamos nuzinhos?


2
Bem cedo procurei o meu irmão
Na mansarda da casa, o seu quartinho,
Pois a Mutti percebera o temporão
Desejo do precoce casalzinho.

De noite eu fugia do meu quarto
Que dividia com a Lúcia e a Solange.
Curioso: esta memória não constrange,
Amo recordar, e não descarto

Os lances detalhados na memória
Transformando meu desejo na estória
Que passo a revelar, ali, leitor

E assim eu cantarei o meu amor
Para que o mundo perceba enfim a glória
Do amor entre crianças sem pudor.



3
Me lembro da noite em que levanto
E deixo o meu leito como sombra
Enrolada num lençol como num manto
Escapando de Solange, a minha “Solombra”

E da outra, minha irmã meio apagada,
Lúcia com seu rosto pura sarda,
Dirigindo-me à escadinha da mansarda
Para encontrar Rôdo, e ser amada.

Subindo no escuro o caracol
Da escada de ferro, desnudada,
(eu já deixara no sopé o meu lençol),

E atrás de um biombo mau chinês
Deitar com meu guri, emocionada,
Para conhecer o que Deus fez.


4
Ai, Rôdo, que doce, que emoção
Quando a primeira vez me desnudaste
E puseste em minha conchinha a tua mão,
Abrindo-a para olhar o seu contraste,

Rosada contra a alvura circundante
Do meu corpo e dos lençóis onde eu pousava,
Que entre minhas coxas já molhava
Com o mel que produzia nesse instante.

E então colocaste o teu pintinho
Na pequena fenda, assim, quentinho,
E a missão de amor foi consumada

Quando sobre mim ficaste ali,
Dentro da irmãzinha tão amada
Fazendo, por instinto, teu xixi.



5
As noites de beleza e maravilha
Que desfrutávamos na pequena toca!
Até hoje emoções em mim provoca
Levando as sensações à minha virilha

Onde coloco a mão, impressionada
Com a persistência da memória
Que volta a deixar-me assim molhada
Só de recordar aquela estória:

Duas crianças tão precoces em se amar,
Em nossa descoberta do prazer
Não pudemos todavia esconder

Por muito tempo a paixão e nossos ritos,
Apesar de eu já estar levando pitos
Da Mutti, que iria nos flagrar.


6
Depois de alguns meses, já na estância,
Quando descobrimos o pomar,
Fizemos o altar da nossa infância
No tronco onde gravei o nosso AR

Na macieira que eu iria retocar
Com Aline, minha amada paulistana
(vinte anos para um A acrescentar
produzindo a ARA grega ou romana

à qual associei o meu destino).
Ali foi que, assim apaixonados,
Fomos pegos num minuto muito fino

Em que deitados nus, após instantes
Em que tivéramos os fluidos partilhados
E estávamos felizes... exultantes.



7
Estávamos, eu e o irmãozinho
Nus e adormecidos sob a fronde,
Eu com minha mão em seu pintinho,
Ele com a mão tu sabes onde.

Foi quando fomos despertados
Por um grito lancinante de horror
E pelos cabelos agarrados,
Levantados do chão, em susto e dor.

E arrastados fomos no caminho
Em lágrimas de dor e humilhação,
Rôdo com a mão no passarinho,

Eu, obrigada a cobrir a minha concha,
Arrastada pelo pulso, meio troncha,
Servindo de galhofa pra peão.



8
Não mais poderíamos juntar-nos
No nosso pomar, ah! nunca mais!
A Mutti decidira separar-nos
Por considerar-nos “anormais”

Enviando meu irmão pr’um internato
De onde voltaria só nas férias
De dois em dois anos, de fato,
“para só pensar em coisas sérias”.

E eu seria vigiada desde então,
Embora isso mais desenvolvesse
Meu poderoso dom de sedução

Para aliciar, e conseguir
Algo que afinal me resolvesse
A questão crucial de prosseguir.


9
Agora, tanto tempo já passado,
Tudo em seu lugar foi colocado;
Tenho meu irmão e minha amada,
E minha mãe há muito foi deixada

Na colina em sua mais triste manhã,
Onde estão também Joachim e Frida
Meus avós alemães, e a pobre irmã
Solange que lhes era parecida.

E que tanto atormentou a minha vida
No entanto produzindo novo rumo
No destino desta Alma perseguida.

Mas saibam que isto tudo é o resumo
E tudo foi purgado no caminho:
A vinha, o pomar, a ARA e o vinho.



Epílogo

10
Ah! amado Pampa, meu destino!
Nestas pradarias morrerei
Depois do toque, ao longe, do meu sino
Aquele que, na certa escutarei

Naquela derradeira cavalgada
Pelo mar das coxilhas navegando,
O cabelo ao vento, em disparada,
A mão de Rôdo no meu seio palpitando.

O Vati, Aline, eu e a infância
De Hans e Christian, Patrícia e Pedrinho
Correndo juntos, comigo, no caminho...

E a herança da safra em vinho tinto
Transfigurando em Éden, que pressinto
A beleza final da minha estância!

20/06/2006

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