quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Sonetos da Alma (de Alma Welt )


óleo s/tela de Guilherme de Faria, de 60x80cm, coleção do autor.


(Alguns sonetos eróticos selecionados dos "Sonetos da Alma" cuja série completa, de 21 sonetos pode se lida no blog de mesmo nome (ver links)


Dos "Sonetos da Alma" de Alma Welt

4

Espero, assim deitada, o meu amor
Fingindo-me um pouco adormecida
Estou nua, estou bela, e comovida
E o prazer da espera ainda é maior

Pois que os segundos, minutos, talvez hora
Que levará pra sua descoberta
Aumenta o meu prazer com sua demora
E põe a minha pele mais desperta

Sinto correr o mel sobre a coberta
Da cama, pois me encontro sobre ela
Nesta suave angústia que me aperta

De ficar assim, me imaginando
Surpreendida nua em pose bela,
Voyeuse, a mim mesma me ofertando.



6

Escolho uma modelo de atelier
Sob o critério de que possa vir a amar
Bela e fresca como um fruto no pomar
Que a mão colhe, pois não pode se conter.

E agora eu me pego a esperar
Sua chegada, já um tanto ansiosa
Caí na armadilha cor de rosa
Que armei, para mim, sem atinar.

Vem, Aline, e toca minha sineta
Entra, tira o jeans e a camiseta,
Depois o teu sutiã e a calcinha

E nua, com teu porte de rainha,
Te põe diante de mim com minha paleta
Enquanto o coração pra ti caminha.



7

Vem pros meus braços, amor, não tenho ciúme
Necessito o teu calor e o teu cheiro
Não te banhes, não mudes teu perfume
Quero-te suja, possuída por inteiro.

Está bem que ames teu homem e dele sejas
Mas meu desejo é um tanto diferente
Não poderás deixar-me, de repente,
Pois que já te fisguei, e me desejas.

Quanta riqueza de luxúria neste ninho,
Perdida em teu caminho e tu no meu
Com todo um universo de carinho

Com que passei a amar-te loucamente,
Para além desse desejo, que era teu,
De olhar-te como musa, simplesmente.



8

Estou exausta, amor, de amar-te tanto
A noite toda mordisquei os teus pelinhos
Lambi-te como gata aos filhotinhos
Estás molhada de saliva, e não de pranto.

Tenho teu cheiro impregnado nas narinas
Me sinto viciada em endorfinas
Se me deixares, meu amor, com tua ausência
A síndrome terei, de abstinência.

Mas mesmo assim, amor, quero ir além
Entrar dentro de ti, e ficar bem
Sob tua pele, ouvindo a alma

No seu lento respirar, que então me acalma,
Fazendo o coração bater também
Com a cadência que do teu, assim, me vem.




9

Olha, Aline, o quanto te desejo:
Enquanto dormias bela e nua
Pintei-nos num retrato, qual nos vejo,
Para provar-te que, pintora, ainda sou tua.

Vieste, por modelo, contratada
Um dia adentrando o meu estúdio
Deixastes ser por mim manipulada
Sem apresentar qualquer repúdio.

Agora aqui nos vemos, assim, nuas
Diante uma da outra. Qual a autora?
Que já não nos sabemos como duas.

Sou eu que pinto aqui, ou sou modelo?
Quem somos nós? Qual a pintora
Que fixou na tela as criaturas?


10

Hoje abro espaço nesta sala
De telas, cavaletes, sempre cheia
Para bailar cantar, como no Scala
Mas sem palco, sem coxia e sem platéia

Aline, serás minha parceira
Faremos “pas de deux” em nossa dança
Depois riremos aplaudindo a brincadeira
Estou feliz demais, como criança

Como é belo assim nos namorarmos
Como é mais belo ainda estar amando
A ponto de nos ver assim dançando

Sem do ridículo ao menos cogitarmos
E depois coradas e suando
Sugarmos nossos lábios, ofegando.



15

Ontem fizeste, Aline, uma proeza
No meu corpo, a ponto de eu corar:
Enfiaste-me teu punho com firmeza
Como se quisesses me estuprar.

Me retorci em volta do teu braço
Como uma chama em meio a ventanias.
Quando quiseste retirá-lo não podias,
Eu te retinha como agora às vezes faço.

Senti a tua mão dentro de mim
Como um parto às avessas, devassando,
Tateando-me por dentro, assim, assim,

Sentindo-lhe os dedos que se movem
Depois quando a retiras deslizando
Os rumores de água me comovem.


19

Volto ao estúdio querido, nos Jardins
Sentindo esta alma velha renascer.
Quero pintar, quem sabe escrever
Sonetos mais felizes, poemas infantis.

Quando me sentir recuperada,
Vou me vingar de mim, como Aretino
Escrevendo luxúria de enxurrada,
Porno-sonetos como aquele bom cretino.

Hei de estar curtida pelas dores
Causadas pela entrega aos meus amores
Pois foram tantos assim acumulados,

Perdidos, recalcados, na certa se somaram
A dor desta paixão tão cheia de cuidados
Por uma jovem que os ventos me levaram.



21

Vida, Amor, amores, Arte e alegrias
Graças demais pr’um simples ser mortal
Humor, humores, gozo, enlevo sensual
Eros, Psiquê e suas maravilhas

E há quem erga a sua voz blasfema
Contra a Vida e seu amor, e quer conter-ma!
Há quem faça dela uma vigília enferma
Aos dons da própria Vida, e a ela tema.

Mas não penso neles, não agora:
Eu vi o Hades, renasci faz uma hora,
Não renego da minha vida um só minuto.

Amei, tudo apostei, perdi, pus-me de luto
(que em mim morri), voltei, torno a postar
Nesta roleta russa que é amar!

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

As Quatro Estações (de Alma Welt)


O Pranto de Alma Welt- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, de 60x80cm, coleção particular, São Paulo

"Porquê? Porquê?, pergunto, ai de mim,
Teria esse malvado que invadir
Aquilo que era seu sem nem pedir?"

"Ou quedo-me, chorando-me, deitada."



As Quatro Estações

Prólogo
1

No círculo perfeito de minha vida
Me insiro eqüidistante como um raio
E vejo minha ação distribuída
Ponto a ponto, em seu sentido horário.

E posso contemplar os meus acertos
E erros que também fazem sentido
Ao produzirem seus breves apertos
No arco do meu ser, assim contido.

A alma, carregada de figuras
Concentra minha história nas minúcias
Que me contam mais que iluminuras.

Secreto, mas audível qual canção,
É esse código desfeito por argúcias,
Que a melodia desvela ao coração.


Primavera
2

Desperta o meu amor na minha pele
Após o longo inverno de torpor.
Andei aí, por onde a dor impele,
Em sendas áridas, sem cor.

Sinto agora nas faces o rubor
E minha pele alva desmaiada
Deixa aparecer a sua cor
Qual alabastro, por dentro iluminada.

O coração, hibernado, que se aquece
Levanta, farejando, de sua toca,
Onde só a memória permanece

E tece, (enquanto, alegre, saio à caça),
Com seu pé pondo a girar a sua roca,
E o fuso puxa o fio, que não se esgarça.


2° Soneto de Primavera
3

Flores e crianças, verdes praças,
Eu vejo na cidade cimentada,
E a copa novamente iluminada
Das árvores, através destas vidraças.

Por janelas amplas do atelier,
A vida entra e sai abençoada
Enquanto me ajoelho a agradecer
Sua dádiva que vejo renovada.

Sinto que o dom deste meu ser,
Além da bela vida a mim doada,
É vivê-la, assim, sacralizada,

Num cântico perpétuo e fiel
À arte, ao amor, e ao prazer,
Rio d’alma, fluindo como mel.


3° Soneto de Primavera
4

Encontrei o meu amor, sempre o primeiro,
Esmaecendo os outros na memória.
Primavera faz jus à sua glória
E deixa florescer um espinheiro,

Não que o tenha em minha alma
(que não guardo nenhum ressentimento ):
Estendo minhas mãos e abro a palma,
Vazia, sem sequer um ferimento,

Pronta pra colher as novas flores
Cravos, rosas, e com elas suas dores
Que aceitarei, sendo tão belas...

E estando assim aberta para a vida
Percebo minha alma decidida,
Voando através destas janelas.


Verão
5

Estou nua, transpirando nos teus braços
E a volúpia do suor da nossa pele
Ressuma qual perfume nos abraços
Melados, que o corpo não repele.

Meus seios achatados por teu peito
Mamilos titilando que se aquecem,
Amplexo de ouro, tão estreito,
Que os pelos se confundem e entretecem.

Singrando em mim como uma nau
(que só não usarei a sua rima... )
Eu o sinto enorme, entrando assim.

Quero-te pois, pra sempre, em cima,
Na frente ou atrás( não levo a mal)
Enquanto navegares dentro, em mim.


2° Soneto de Verão
6

Amor meu, que belo este verão
Aquecendo a alma sob a carne,
Deixando mais clara a minha visão
Do imenso privilégio de assim dar-me!

Quero estar nua, para ti, assim inteira,
Podes apalpar-me se quiseres,
Sempre que assim quente estiveres,
Que não me furtarei a quem me queira...

Quero dizer, a ti, não leve a mal,
Que só ao meu amado dou-me assim,
Como uma fêmea, lúbrica, animal.

E se então souberes dar valor
A essa doação tão pura em mim,
Sentirás do meu verão todo o rubor..


3° Soneto de Verão
7

Dei-me este verão, o tempo inteiro
Vivendo a minha carne como festa
Enquanto Amor tornou-se fera, sorrateiro,
Emboscado na alma, qual floresta.

Em pé, sentada, nua ou mal coberta
Reinei neste ateliê como ninfeta,
Provocando o meu amor, como em oferta,
Aos olhos treinados de um esteta.

Então, tomando, enfim, minha paleta
Hesito entre o papel e a tela lisa,
Se bacante, pintora ou poetisa.

Mas percebo-lhe o olhar devorador,
Do sátiro cruel, que mobiliza
Um desejo maior que o próprio amor.


Outono
8

O homem que me amou todo o verão
Perdeu-se em seu desejo tão crescente
Que ao findar a quente estação
Mudou o seu tono, de repente.

Foi numa tarde fria, decadente...
Lançou-se em fúria de desejo sobre mim
E feriu-me com aquela lança ardente
Na frente e atrás, num vai-e-vem sem fim.

Mas se eu vivia só pra dar-me assim
Suave, alegre, até arrebatada,
Mas sempre sob o olhar de um querubim!

Porquê? Porquê?, pergunto, ai de mim,
Teria esse malvado que invadir
Aquilo que era seu sem nem pedir?


2° Soneto de Outono
9

Meu amor adoeceu dentro de mim
E dói-me o corpo, como a alma maltratada.
Ando pela casa, sem um fim
Ou quedo-me, chorando-me, deitada.

Expulsei o malfazejo do ateliê,
Embora ele se tenha arrependido...
Pois quem a fera oculta um dia vê,
Perde a inocência e está perdido.

Sinto-me, portanto, injustiçada
E as partes, que me doem, não consentem
Que esqueça, no que sou tão esforçada.

O telefone toca, e não atendo.
O inverno minhas horas já pressentem,
Resvalando como folhas, vão morrendo...


3° Soneto de Outono
10

O frio deste outono é bem maior
Que o inverno que minh’ alma agora almeja
O sussurrar do coração, que sei de cor,
Fala só do amor que ele deseja...

Mas tento tapar os meus ouvidos
Para que não ouça a tentação.
Como das sereias os gemidos,
Essas súplicas que vêm do coração

Cercam-me detendo a embarcação,
De minha vida empenhada no seu rumo,
Com seu mastro nu, mas tão a prumo,

Onde, amarrada, me seguro
Pra ouvir sem mais perigo essa canção
Que já me fez passar por tanto apuro.


Inverno

11

É chegada a estação meditativa,
Onde a alma se pode recolher,
e sinto-a propícia e curativa
Deixando o coração me comover,

Acolho-o, quente, em meu regaço
Como um urso na toca, a ressonar,
Depois de tanto estardalhaço
Daquele verão nada exemplar,

E também de um outono desolado
Em cujo ouro tingido de vermelho
Eu vi meu coração despedaçado.

Quero esquecer, dormir o meu inverno
Sonhando minha vida num espelho
Da urna de cristal onde eu hiberno.


2° Soneto de Inverno
12

Encontrei alguém no elevador
Que aqueceu meu coração em um segundo:
Um sorriso, um olhar, talvez um mundo,
Naquele espaço, em geral constrangedor.

Um homem, um rapaz, já não tão jovem,
Seguro, pelo olhar, mas que doçura!
Sei que posso confiar, pois quando escorrem
Os olhos não cometem impostura.

Deixou-me seu cartão, pra meu espanto
Morador do mesmo prédio, pouco acima
Dois ou três andares, se tanto,

Na verdade, três, melhor dizendo,
O que na minha vida sempre rima,
Enquanto novas flores vou colhendo.


3° Soneto de Inverno
13

Preparo uma ceia no ateliê:
Um fondue de queijo e vinho tinto,
Para o meu vizinho, já se vê,
A quem interfonei, por puro instinto...

Um candelabro “glabro” sobre a mesa
(só para lembrar Jorge de Lima )
Uma rosa colocada muito tesa
Num copo de cristal, e tudo em cima.

Espero não ficar muito ostensiva
Nas segundas intenções, e nem xereta
Tornando-me eufórica, invasiva.

Mas não, pois quando toca minha sineta
Meu coração dispara, qual donzela,
Com rubor e timidez como seqüela!


Epílogo
14

Acordo feliz neste meu leito
Com cheiro de lavanda ou velva, eu acho,
Da pele de um homem enfim eleito,
Que reconciliou-me com o macho.

Não entrarei em detalhes por agora,
Só adiantando, incorrigível, a alegria
Em que desperto, repleta, como a aurora
Que já nasce em plenitude sobre o dia.

O amor é uma criança e com candura,
Me quer assim, também meio naïve
Como em festa de primeira formatura...

Assim, eu comemoro o amor que tive,
Compartilhando com vocês, ó meus leitores,
A ciranda geral dos meus amores!_

____________________

Outubro de 2001

sábado, 8 de setembro de 2007


"No círculo perfeito de minha vida... " -Desenho de Guilherme de Faria para a capa do folheto "As Quatro Estações", de Alma Welt

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Alquimia no Sótão (de Alma Welt)


Alma Welt- desenho de Guilherme de Faria, a pincel, nanquin e aquarela, sobre papel Shöeller montado, de 51x74cm -coleção do autor.

(132)

Pelo escuro corredor do casarão
De noite quantas vezes tateei
Cega e nua, para alcançar o sótão
Pela escada em caracol, que nunca errei

Pois o cheiro do desejo me atraía
De meu irmão adorado e tão viril
Que me esperava com o coração a mil
E o mastro que já quase se esvaía

Com aquele mel claro a escorrer
Semelhante ao que eu mesma destilava
E que gemendo com o dele misturava.

E então, naquela doce alquimia
Produzíamos prodígios e poesia
Pela noite, até o dia alvorecer...

05/01/2007

Questão de métrica (de Alma Welt)

(131)

Amor meu, esta noite venha a mim
No quarto,deixarei a porta aberta,
Entrarás qual sorrateiro serafim
Sem asas, e sob a minha coberta

Por trás de mim te porás também pelado
Que estarei adormecida mas de lado
E poderás entrar sem mais convites
Desde que a porta errada tu evites,

Se não perderei minh'auto-estima
Com grito semelhante ao de quem goza
E que porá o casarão em polvorosa,

Pois isso aconteceu um outro dia
Com um poeta que errou métrica e rima
Entrando pelos fundos da poesia.

11/09/2006

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A cadela (de Alma Welt)

(130)

Às vezes acho que sou uma cadela
Pois não consigo me conter
E penso em dar e dar até morrer
Ou então voltar para a costela,

Pois meu corpo lindo só foi feito
Para o sexo e o amor, e insatisfeito
Precisa pelo outro ser olhado,
E com volúpia tocado, penetrado.

E assim, eu me debato no meu leito,
E logo nua, colocando-me de jeito
A ser assim, pelos fundos, descoberta

Por alguém que vendo a porta aberta
Não resistisse à minha pose "acidental"
E invadisse, por impulso, o meu quintal...

09/08/2006

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Alma Welt como bacante exausta (desenho de Guilherme de Faria)


Alma Welt como bacante exausta- Desenho de Guilherme de Faria, no acervo do Banco Central do Brasil.