segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Reencontro (de Alma Welt)

Caminhemos mansamente, meu irmão,
A vida nos deu mais uma chance.
Reencontramo-nos enfim, neste verão,
Estamos vivos e a viver nosso romance.

Nada pôde separar-nos (bem tentaram),
Não esqueço que de mim te arrancaram
Literalmente, de dentro e com estalido
Que nunca mais saiu do meu ouvido.

Estamos ainda aqui e de mãos dadas,
Eu prestes a entregar-me nua e inteira
Como outrora sob a nossa macieira,

Juntando-nos com a imortal candura
Do ser que um deus rachou a machadadas
E não logrou dobrar a criatura...

(sem nota)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mercúrio (de Alma Welt)

Se amar é um instinto, é um mistério
Que nesta vida a alguns possa faltar,
E quando penso num ser assim estéril
Me falta pouco ou nada pra chorar.

Bah! E eu conheci homem assim,
E quanta vergonha em relembrar
Que esse bruto entrou dentro de mim
E ainda hoje tento dele me lavar.

Eis o mal, não primevo, ser espúrio
Que minha meiga irmã já violava,
Fazendo dela pasto e sua escrava.

E que não contente, qual Mercúrio
Transitava, o bandido e mensageiro,
Nossa dor, seu prazer, nosso dinheiro...

(sem data)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A Jura (de Alma Welt)

Façamos uma jura, meu irmão;
Não deixemos que nada nos separe,
Muito menos um padre e seu sermão
Ou que de nos mimar Matilde pare

Já que ela nos flagrou estupefata
Quando nos viu banhando nus
Na nossa lagoinha da cascata,
Coisa pouca que nem sequer faz jus

Ao quanto violamos a tal regra
Oriunda de um “pecado original”
A que desde piás não demos trégua.

E conservemos pura a nossa mente,
Pois que este carinho é tão primal
Quanto o prazer que o corpo sente...

(sem data)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Pinóquio (de Alma Welt)

Quando guria recebi aqui na estância
A visita deslumbrante de uma prima
Que vi como encarnação da infância
Sulina, clara e ingênua obra-prima.

E não pude resistir a convidá-la
Ao galpão, meu “templo dos amores”
Onde eu poderia “fazer sala”
Mostrando meus brinquedos e pendores.

Mas lembro que surgiu a dona Ana
E nos interrompeu doce colóquio
Com a varinha de marmelo açoriana

Quando já nos reclinávamos na palha,
Eu a contar a saga do Pinóquio,
Sem o mágico nariz, que é minha falha...

(sem data)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Banho de inverno na cascata (de Alma Welt)

Os dias estão frios, não escuros,
E não quero esse inverno a afligir-me,
Mas inquieta me porei em ais e apuros
Com meu mano à cascata ao dirigir-me

Pois sou logo atraída pelas águas
E mesmo me desnudo a tiritar
E faço o meu banho de espantar
Com Rodo a aspirar minhas anáguas.

Então é a vez, eu já vestida,
Do pênis deste atleta de praínha
Fazer nessas águas a investida

Pois já me acolhera no seu pala
Aquecida no seu peito, assim nuínha,
E dissera-me, apontando: “mira, estala!”

(sem data)

sábado, 6 de junho de 2009

O Duplo da Alma (de Alma Welt)

Uma noite desci do leito meu
Por sentir a presença de alguém
Numa alta madrugada de Romeu
Quando a cotovia era por bem

E não o rouxinol do anoitecer...
Julieta ou Psiqué sem lampião,
Subi à mansarda do irmão
E empurrei a porta sem bater

E bah! O que vi mal suportei
E o forte coração se dissolveu:
Ali estava a outra que era eu,

Nua nos braços do belo jogador,
Alvas pernas no ar, fazendo amor
Do jeito que eu mesma me ensinei...

(sem data)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O espírito do vinho (de Alma Welt)

O ser que vive em nossa adega
Vela o eterno sonho desse ninho,
Brinca de deixar a alma cega
E nomeia-se “o espírito do vinho”.

Eu sei, ele mesmo me tomou
E me fez aos quinze desnudar-me,
Tateando quando a luz aqui faltou
Para ir ao sótão e entregar-me.

Depois de cada festa pampiana,
Lá estava sussurrando do meu lado,
Instando-me a correr esse perigo:

Eu tinha que passar pelo inimigo,
O sono leve da matrona Açoriana,
Para em risos colar no irmão amado...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Zeus e Ío (das Metamorfoses de Zeus, de Alma Welt )


Zeus e Ío (1530), por Correggio (ativo a partir de 1514- falecido em 1534)

2
Depois do cisne, resolvi, uma por uma,
Desafiar Metamorfoses mais sutis
Pois há sempre a rota em que se ruma
E Zeus não lança mão de formas vis.

Como Danaé no estranho banho
Dourado que a veio iluminar
Assim eu mesma tive um ganho
Ao pedir ao meu amor pra me dourar.

Faltava agora por nuvem ser tomada,
E como nunca apreciei o “fumacê”
Não conseguia matar esta charada.

Então junto à cascata do meu rio,
Envolta nua no vapor que ali se vê,
Fui possuída como a sonhadora Ío.


(sem data, circa 1999)


Nota
Percebe-se que o Mito da chuva de ouro de Danaé Alma resolveu com a simples urofilia, coisa que na verdade ela já conhecia bem com nosso irmão Rodo desde a infância. Note-se que urofilia ou urolagnia é uma prática sexual mais comum do que se pensa e conhecida popularmente como "banho dourado". Quanto à transformação de Zeus em nuvem para possuir a princesa Ío, Alma resolveu lindamente ao entregar-se ao seu amor em meio à neblina que se forma na nossa cascata, mais fortemente numa certa época do ano.(Lucia Welt)

Leda e o Cisne ( das Metamorfoses de Zeus, de Alma Welt)


Leda e o Cisne- escultura de Michelangelo

1
Decidi experimentar volúpia nova
E encarnar princesas mitológicas
Acolhendo as entidades pouco lógicas
Em que Zeus transfigurado punha à prova

A doce e embevecida prontidão
Em tê-lo entre as coxas bem no meio
Ou como chuva de ouro no meu seio
Mesmo que ensopasse meu colchão.

Assim comecei pelo meu cisne
Que ganhara de meu pai, enternecida
Por sua beleza branca enaltecida

Em que senti das plumas como seda
Emergir rubro arpão sem que me tisne
As pétalas e encantos, como Leda...


(sem data, circa 1999)

Nota
Alma viveu sua extraordinária vida toda numa permanente dimensão poética. Ao ganhar de presente de nosso pai um maravilhoso e alvíssimo cisne vivo para soltá-lo no laguinho (o poço) da cascata, resolveu vivenciar os mitos das Metamorfoses de Zeus começando pelo de Leda. Por isso a vimos, sem atinar, muito íntima daquele cisne por um período. Minha louca irmãzinha...(risos). (Lucia Welt)




(sem data)