terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Gratidão -Ode ao meu corpo (de Alma Welt)


Alma- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 50x60cm, coleção Flávio Pacheco, São Paulo.


Pelas lindas manhãs em que renasço
Como Vênus da espuma entre os lençóis,
Longe da velhice o arregaço
E seus cataplasmas e urinóis,

Pelas pétalas macias desta vulva
E o botão rosado de meu ânus
Que dou a chupar como uma uva
E perfeito continua pelos anos;

Pelos bicos frementes de carícias
Dos meus seios como lírios de brancura
E aréolas que são como primícias

Dos prazeres que dou a quem procura
E mergulha e volta com malícias,
Eu te agradeço, ó corpo, ó formosura!

(Sem data)

Nota
Acabo de encontrar este belo soneto que classifiquei entre os eróticos da Alma, e que celebram os dons de beleza corporal de que a poetisa era pródiga. Em verdade, para quem a conheceu, estes versos não seriam de espantar, pois a formosura da grande poetisa era tanta, que seria mesmo uma hipocrisia de sua parte se ela não a celebrasse cheia de gratidão como o faz aqui neste soneto e alhures em sua vasta obra erótica ou não.(Lucia Welt)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A régia boda (Alma Welt)

Venha por aqui, ó meu irmão,
Que quero te mostrar o que encontrei.
Vê, ali embaixo, um alçapão
Com a marca de um brazão de rei?

Levanta, isso! eu te ajudo!
Bah! O que é isso, não acredito!
Fecha, depressa, cobre tudo!
Esta noite voltarás escondidito

E eu te esperarei, lanterna acesa,
Nuínha, para me cobrires toda
De ouro, como fora uma princesa.

E então, te prometo, me terás
E será como numa régia boda,
Mesmo que, como sempre, por de trás...

(sem data)

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O eterno retorno (de Alma Welt)

Contarei e contarei até o fim
Dos meus dias como vou ao meu irmão
Encontrá-lo alta noite no seu sótão
Para entregar-me a ele e ele a mim.

E como, tateando no escuro
Nos longos corredores, já ardente,
Eu me dispo no caminho, de repente
Naquele impulso claro e obscuro

Que me leva assim a dar-me e dar-me
E exausta adormecer sobre seu ombro
Depois de tanto cavalgar a sua carne.

E como, adormecida, recomponho
A clara roda de ir ao seu encontro
Na obscura clareza do meu sonho.

(sem data)
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El eterno retorno (de Alma Welt)
(versión al castellano por Lucia Welt)


Cantaré y cantaré hasta el fin nuestro
Como voy tan repetido al mi hermano
Encontrarlo, alta noche, en su sótano
Para entregarme a ello, por supuesto.

Y como, palpando el aire oscuro
De los corredores onde, ardiente,
Me desnudo en el camino, de repente
En un raro impulso claro y puro

Que me lleva así a darme y darme
Y exhausta dormir con ello adentro
Después de cabalgar tanto su carne

Y como recompongo el diseño
De la rueda de irme al su encuentro
En la oscura claridad de nuestro sueño.

sábado, 9 de agosto de 2008

Na palha do celeiro (de Alma Welt)

Ponha a mão no meu seio, ó meu irmão!
Vê como bate comovido e acelerado!
Assim se pôs em mim com o encontrão
Que tivemos neste escuro inesperado.

As luzes vão decerto demorar
Com essa tempestade que há lá fora.
Aproveitemos e vamos nos deitar
Nesta palha que a mãe tanto deplora.

Deixa eu pôr a mão aqui em baixo
E libertar teu passarinho engaiolado.
No escuro eu cuido dele e o encaixo

Na conchinha que é seu ninho verdadeiro
Conquanto vai e vem (está assustado!)
Antes que as luzes voltem no celeiro...

(sem data)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Ao espelho (de Alma Welt)

Se começo a perceber-me tão sozinha,
Recordando o meu Vati (ah! como dói),
Com perigo de sentir-me pobrezinha,
Então algo em mim me reconstrói.

É quando começo a desnudar-me
Arrancando-me a roupa com furor,
E passo a realmente olhar-me
E meu ego finalmente recompor.

E logo erotisada e aberta assim,
Eu vejo que guria ainda eu soube
Que meu corpo era o reflexo de mim.

E eis-me triunfante frente ao espelho
Na glória da beleza que me coube
Em alvura e detalhes de vermelho!

09/05/2004

domingo, 27 de julho de 2008

A Alma destas àguas (de Alma Welt)

A trilha que leva à minha cascata,
A cantar percorro todo dia,
Descalça, pois retiro a alpargata
Para sentir do solo a energia.

E logo vou a blusa retirando
Ou o vestido inteiro, se é o caso,
Depois a calcinha ali deixando
Na senda como rastro e ao acaso

De belas tramas um tanto obsoletas
Pois me dou à transparência destas àguas
(que nunca me escondi em vãs anáguas).

Depois saio brilhando, nada feia...
E mais: para atrair as borboletas,
Me agacho crua a urinar sobre a areia.

(sem data)

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Nota

Encantada, acabo de descobrir na arca da Alma este soneto lindo, ligeiramente erótico, que revela algo que eu mesma testemunhei algumas vezes: nua, Alma urinava na areia da prainha da cascata, e logo ali se fazia uma revoada de borboletas que apreciavam o sal ou a amônia onde pousavam numerosas, sugando, para encanto de minha bela irmã, que eu ficava olhando, admirando, como uma ninfa que ela realmente era. (Lucia Welt)

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Palavras ao Vati (de Alma Welt)

Dá-me teu colo, Vati, estou carente,
A Mutti acaba de afastar-me.
Eu sei, ela me acha delinqüente,
Somente tu, ó Vati, sabe amar-me.

Ela diz que me espevito ao ver "um macho",
Tu ou Rôdo, dia e noite, e sem que
Jamais, ela diz, "sossegue o facho"
Mesmo servida a minha quota de rebenque.

Mas, pai, foste tu que me criaste
E me disseste pra ser sempre verdadeira,
Que minha pele já propunha esse contraste

Com, do falso a escura face, escondida,
E que jamais porias na coleira
O ser que iluminou a tua vida!


06/11/2006

terça-feira, 22 de julho de 2008

Lembranças do relho (de Alma Welt)

Vai, meu irmão, e abre a porta
Da cozinha pois estou muito molhada,
Minha calcinha está toda manchada
E se a Mutti vê, me deixa morta

De tanto me lanhar com aquele relho
Que eu mesma descobri na grande arca
E que é herança do nosso patriarca
Que o herdou de outro ainda mais velho.

Mas cá estou eu, de novo, a divagar...
Vai, Rôdo, pois, mas vai depressa
Que já começo sem querer a tiritar

E a troca que até me tenta um tanto
É, como tu, ir pela frente sem que meça,
Pois algo em mim anseia por meu pranto.


27/05/2006

A leitoinha (de Alma Welt)

Galdério, prepara a tua charrete
Que hoje não quero cavalgar.
Leva-me como quando eu tinha sete
E dormia no teu colo ao regressar

E nos braços me tomavas com candor
Ao salão me transportando sem eu ver,
Me punhas sobre a mesa por humor,
Dizendo: “Hoje leitoinha vamos ter!”

E eu já despertada mas fingindo
Não resistia e gargalhava afinal
Sem ousar abrir os olhos, sensual,

Pois sentia o teu olhar tão inocente
Percorrer meu pequeno corpo lindo
Que queria ser tomado docemente...

09/07/2006

Perdidos amores (de Alma Welt)




Perdidos amores vão clamando
Na solidão de minhas noites desoladas
Embora ricamente decoradas
Com as recordações e seu comando

Que me obriga a sangrar no meu colchão,
Pois eis como interpreto esse mistério
De viver um tal verão sem refrigério
Que alguns diriam só menstruação.

Então afundo os dedos dentro em mim
Para acalmar a ânsia e os ardores
De um desejo que parece não ter fim.

E logo em verdadeira apoteose
Sinto sangrar de mim os meus amores
Fazendo que em meus tristes dedos goze...


08/04/2006

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Vamos à cascata (de Alma Welt)

Vamos à cascata, meu irmão!
Ali poderás me ver pelada
Já que a Mutti vigia o casarão
E não nos permite quase nada.

Ontem um abraço separou-nos,
E por um beijo recebi uma tapona.
Ao observar os nossos sonos
Descobriu-me para olhar a minha cona,

E ao ver que estava assim molhada
Esperou o amanhecer pelo ensejo
De punir com o relho esta safada.

Ah! Meu Rôdo, ela não sabe
Que assim aumenta-me o desejo,
Que na pele desta Alma já não cabe...

26/04/2005

terça-feira, 8 de julho de 2008

Eros e Psiquê (de Alma Welt)

Quando de noite o coração dispara
E me ponho, ali, deliqüescente,
Levanto-me do leito, a fronte quente
E lá vou eu a tremer como uma vara,

Tateando no corredor escuro
Até aquela porta iluminada
Somente pela fresta ou encostada
Para que eu a empurre sem apuro.

Então o vejo como Eros no seu leito,
Belo e nu, se no verão, em abandono,
De lado, adormecido, e muito ao jeito.

E enquanto mija em mim como bebê,
Por trás conduzido em pleno sono,
Eu adormeço como a doce Psiquê...

(sem data)

domingo, 6 de julho de 2008

Desejo (de Alma Welt)

Em meio a noite desperto entre desejos
O peito arfante, a mão no seio trêmulo,
A outra ali em baixo, não por pejos,
Mas a conter em mim aquele êmulo

Que vibra no triângulo entre as coxas
Parecendo lembrar ter própria a vida
A me levar para além das minhas colchas
A outros maus lençóis, despercebida.

E quando dou por mim, estou metida
A grudar-me em seu traseiro, deslambida,
No leito do irmão no quarto ao lado.

E então desato a fonte, não da uretra
Enquanto ele se vira e me penetra
Entre suspiros e um gemido descarado!

08/04/2005

domingo, 29 de junho de 2008

Sonhos (de Alma Welt)


"El sueño de la razón produces monstruos" (Goya)


Meu corpo traz em sua memória
O toque e as carícias dos amados,
Homens e mulheres, e a história
Dos murmúrios e silêncios encontrados.

E assim, abandono-me no sonho
Carregada de vívidas lembranças
Como arquivo vivo que disponho
Para os dias de menos esperanças.

Eis porque acordo perturbada,
Menos por carência e mais paixão,
Por vezes uma ânsia exasperada,

E erguendo-me da noite na calada
Vou ao seu leito, em sonho da razão,*
Insinuar-me nua, assim, colada...


(sem data)

Nota

O fato de Alma ter colocado como epígrafe a famosa frase encontrada numa gravura de Goya da série Caprichos denota a consciência plena de sua relação proibida, já bem conhecida de seus leitores. Todavia sempre achei que a beleza lírica que ela punha na abordagem dessa relação, a fazia transcendente, a justificava e absolvia. (Lucia Welt)

sexta-feira, 14 de março de 2008

A bela adormecida do bosque (de Alma Welt)

Eu vinha pelos meus prados de ouro
De volta ao casarão para o almoço
Quando fui barrada por um touro
Que me pôs o coração em alvoroço.

Parei estarrecida e não sabia
Se assim ficava ou se corria
Quando Rodo a cavalo apareceu
E a galope a cintura me colheu.

"Meu herói!" gritei, e de imediato
Fingi desmaiar na sua sela
Para melhor sentir o seu contato

Então ouvi, ou assim me pareceu:
"Ao bosque vou levar-te, minha Bela,
Onde a princesa nua adormeceu..."

04/12/2006

sábado, 1 de março de 2008

O pingo no i (de Alma Welt)


O pingo no i- Tela a óleo de 100x120cm, de 2007 de Alma Welt


Nas sombras sagradas do jardim
Eu deitei, guria, inebriada
Sob uma sebe florida de jasmim
E levantei o vestido, já molhada.

Tirei a calcinha, aspirei-a
E comecei a gemer chamando Rôdo
Que não me achava nada feia
E que uma vez dissera "eu fodo",

Palavra que confesso me chocou
Mas que mudou minha visão
Pois colocara o pingo onde faltou:

No i, no amor, na vida na verdade,
E em seguida ali em meu botão
Quando conheci a liberdade...

18/01/2007

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

De guris e aero-modelos (de Alma Welt)

Amor meu, irmãozinho adorado,
Deixa-me ficar aqui no sótão,
Quietinha assim, bem do teu lado
Enquanto constróis teu avião.

Quando cresceres serás um bom piloto
Ou então um mágico de cartas,
Pois com habilidades de canhoto
Nunca de teus truques tu me fartas.

Mas deixa que eu pegue teu pintinho
Enquanto trabalhas com desvelo
Pois que quero ver se está molinho...

Bah! Já não está mais, não pares não!
Que lindo, enquanto colas o modêlo
Teu passarinho cresce em minha mão!

O intruso (de Alma Welt)

Esta noite acordei toda suada
(e nem sequer estamos no verão)
Com a impressão de devassada,
Toda aberta ali no meu colchão.

Colocando a mão na minha pombinha
Por instinto feminino, ai de mim!
Percebi que ela estava molhadinha,
Que digo? Ensopada, isso sim!

E ao levar os dedos às narinas
Senti um odor assaz estranho
Certamente nada próprio das meninas.

Dei-me conta de que fora visitada
Por algo que injetou-me certo ranho
E no lençol uma nódoa encarnada...


25/06/2006

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Nota da editora

Alma se refere neste soneto a um episódio real acontecido na sua adolescência. Minha irmã tinha o hábito de dormir nua apesar de todas as recomendações da Matilde. Por sua enorme beleza tentadora teria sido estuprada enquanto dormia? Rôdo, o principal suspeito, nega até hoje. Alma que tinha hímem complacente, nesta noite o teve completamente rompido, daí o sangue no lençol. Ficamos extremamente preocupados com uma possível gravidez, que milagrosamente não aconteceu. (Lucia Welt)

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dias há... (de Alma Welt)

Dias há em que não caibo em minha pele
E preciso correr como uma louca
Arrancando-me as roupas e a touca
E não podendo suportar que alguém me rele.

Rolo pelo chão, alguém me ajude!
Mas não me toquem, não me posso controlar,
Mas eu peço: não peçam que eu mude,
É necessário apenas me amarrar.

Depois não parem, eu ali, de me olhar
E deixem-me assim por uma hora,
Somente isso irá me apaziguar.

E no final, se me virem ensopada
Escorrendo pelas pernas como agora,
Por mais um mês ficarei bem comportada.

16/10/2006

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Nota da editora

Hesitei bastante em publicar este soneto revelador, mas tendo consultado a respeito a doutora Jensen, essa foi do parecer de que, como a Alma era uma escritora confessional, que não escondia nada e fazia em seu pensamento e cotidiano, de tudo e até de suas mazelas a matéria de sua arte, e que isso era parte inerente de sua personalidade artística, seria uma traição escamotear este soneto, embora ele exponha a doença da minha irmã. Alma tinha PMD* (hoje se diz "transtorno-bipolar") e no seu polo eufórico tinha características de ninfomania ou histeria erótica. Mas tanto eu como Rodo e a doutora estamos convencidos de que nada disso diminui a sua grandeza literária, constituindo, ao contrário, o seu "pathos anímico" ou o que já se denomina o "caso Alma Welt". (Lucia Welt)

* PMD - Psicose maníaco-depressiva.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A Giuseppe

3
Tu foste, Giuseppe, quem um dia,
Ou melhor, uma noite me tombou
Sobre a mesa de jantar e sobre a pia
Na cosinha para a qual me convidou.

Era eu inexperiente e amorosa,
Mal chegada do sul com meus recatos,
Sentaste-me sobre a mesa generosa
A pretexto de tirar-me os sapatos...

E fui teu manjar branco, tua delícia,
Como disseste então com tua malícia,
A toalha para um lado arrepanhando.

Pratos, copos, vinho, o chão manchado,
O castiçal com a vela acesa iluminando
O estupro a tanto tempo acalentado!


06/04/2001