quinta-feira, 26 de julho de 2007

Sonetos Proibidos da Alma (de Alma Welt)

(14)
(Este ciclo de sonetos, como era costume da poetisa Alma,
contam uma estória real (acontecida com ela) se lidos em
seqüência, e na ordem correta. Aconselho o leitor que assim
o faça afim de aproveitar essa característica tão original
da autora. Não obstante os sonetos lidos avulsamente também guardam seu encanto.) (Lucia Welt)

Prólogo
1
Sombras volúveis, sorrateiras sombras
Que avançam sobre o dia em seu ocaso:
Assim também caminho nas alfombras
De um passado tão presente e nada raso

Que carrego dentro em mim qual um segredo
Que, no entanto, grito aos quatro ventos:
Amor sagrado que me causa este degredo
E conduz estes meus gestos quase lentos.

Glória, maldição, honra e vergonha
Convivem em minha’alma neste amor,
Um filtro de delícia e de peçonha,

Pois maldito e proibido pelo mundo,
É como pura luz vinda do fundo,
E sua essência mesma é pura dor.


Naquele jardim...
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Naquele jardim da nossa estância
Onde corríamos em meio a vagalumes
Que ornavam nossos corpos com seus lumes
Quando fruíamos a noite dessa infância,

Ali entre touceiras multicores
Mas azuladas pela luz desse luar
(ainda sinto das flores o perfume
e as batidas do meu peito a galopar...)

Deitada sob o peso de um guri
Sentindo palpitar seu coração
E entre minhas coxas seu “pipi’,

Calado meu gritinho, amor e dor,
Pelos lábios ardentes de um irmão
Precoce, amoroso... estuprador!



Sob a a macieira...

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Sob a macieira do pomar
Onde gravei meu coração,
Aí o encontrava pra brincar
Num balanço, por si só uma canção.

E lembro que voava aos seus impulsos,
Sentindo como quem quase desmaia,
As carícias do vento sob a saia
Causando um arrepio até os pulsos,

E então eu me lancei naquele dia,
Do balanço em seu ponto mais alto
Para cair, morrer como quem cria,

E assim logo amparada por seu braço
Poder entregar-me como um salto
De quem tem no pescoço um doce laço.


Ai, Rôdo, eu me vejo...
4
Ai, Rôdo, eu me vejo ali caída,
E em seguida à tua doce aflição,
Em choque no alcatifado chão,
Antes de sentir a saia erguida.

E então (a minha vulva ainda sente)
Com teu pequeno pênis já tão ávido
Me penetraste o hímen complacente
Com teu ardor precoce, tão impávido.

E ficaste em mim, mas só por ti,
Entrando e saindo, encantador,
Que eu não mais sentia qualquer dor;

E resolveste, por seres um guri,
Gemendo de um modo assustador,
Fazer dentro de mim o teu xixi.


Ai, Rodo, ai Pampa...
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Ai, Rôdo, ai Pampa, em meu pomar
Me lembro, depois, ao levantar,
Como sentia as coxas escorridas
Desde as pequenas fendas invadidas

E esse rio de urina (assim pensava)
Corria até os meus pezinhos
Produzindo uma volúpia que assustava
Por fazer-me desejar mais tais carinhos.

Pois no teu ardor, meu pobre Rôdo,
Quiseste colocar teu penisinho
No outro orifício cor de cobre

Depois de introduzir na fenda nobre
Puseste-me de borco, em grito: “eu fodo!”
Para invadir o meu sujo buraquinho.


Naqueles dias...
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Naqueles dias eu vivia intensamente
Sentindo a minha carne degustada,
Guria, infanta nua, devassada,
Queria ser assim eternamente.

Mas lembro, todavia, o lance estranho:
Minha mãe, de noite, desvelando,
Tirando-me a calcinha, examinando,
Na pombinha, vestígios: sangue e ranho.

Mas eu já descobrira a plenitude
De ser pequena fêmea, mais que “mana”
Fazendo do meu “dar”, uma virtude.

E querendo mais doar, mais ser tomada,
Pelo amor e pela dor de ser humana,
Por coragem e desafio à finitude.


Tanto que voltei...
7
Tanto que voltei ao meu pomar
Tanto que o irmão me conheceu
Tornando-se um amante exemplar,
Inocente como a prece de um ateu.

Erguemos nosso altar a Dioniso
Defronte à minha ara, a macieira;
Não ligamos aos sinais e ao aviso
De Matilde, minha aia alcoviteira.

Tomados de uma tão doce paixão
(posso ao menos assim falar por mim)
Embora se tratasse de um irmão,

Pois viril demais, e com malícia
Precoce, produzia mais delícia...
Piá, que só não era um querubim.


Ó pequena divindade...

8
Ó pequena divindade alcoviteira,
E numes que constante eu invocava
Diante da minha bela macieira
Onde tão feliz me desnudava.

Pequena hetaera infante eu me tornara,
Votada a uma tragédia, fosse frágil
Se não à alegria devotara
Minha vida de poeta, mente ágil

Mas que guarda o horror daquele instante
Em que flagrados fomos e humilhados,
Pelos pulsos do solo levantados

E obrigados a cobrir, naquela trilha,
Com a mão o doce pássaro cantante
Que incauto nos pousara na virilha.



Muito tempo passar-se...

9
Muito tempo passar-se haveria...
Não pudemos repartir a juventude
Pois a águia guardiã da tal virtude
Expulsou-nos do pomar da alegria.

Rôdo, meu irmão, ah! Quanta pena...
Não podermos caminhar naquela senda
De um doce paraíso de encomenda,
Pois algo pune a inocência e nos condena.

E se ambos conservamos a pureza,
Tanto maior a rebeldia e nosso mérito:
Não poderão tratar-nos com dureza,

Que continuo a amar o amor pretérito,
O amor presente e talvez algum futuro
Mantendo o coração alegre e puro.



Epílogo
10
Nesta estância tão antiga, dos avó,
E antes deles outros tantos como nós,
As paixões escorrem pelas vinhas
Ou escalam as paredes qual gavinhas.

Mas nada se assemelha ao meu segredo
Que abro, meu leitor, a ti, sem medo
Pois és meu confessor sem rosto ou voz,
Que espero não se torne meu algoz.

Assim vou purgar ante vocês,
Cada momento, assim, ou cada lance
Para que o sentido então alcance

Das emoções tão vivas que causaram
As carícias venais, mas muito doces,
Pois, minh'alma, não o corpo, violaram...

04/10/2004

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