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(Este ciclo de sonetos, como era costume da poetisa Alma,
contam uma estória real (acontecida com ela) se lidos em
seqüência, e na ordem correta. Aconselho o leitor que assim
o faça afim de aproveitar essa característica tão original
da autora. Não obstante os sonetos lidos avulsamente também guardam seu encanto.) (Lucia Welt)
Prólogo
1
Sombras volúveis, sorrateiras sombras
Que avançam sobre o dia em seu ocaso:
Assim também caminho nas alfombras
De um passado tão presente e nada raso
Que carrego dentro em mim qual um segredo
Que, no entanto, grito aos quatro ventos:
Amor sagrado que me causa este degredo
E conduz estes meus gestos quase lentos.
Glória, maldição, honra e vergonha
Convivem em minha’alma neste amor,
Um filtro de delícia e de peçonha,
Pois maldito e proibido pelo mundo,
É como pura luz vinda do fundo,
E sua essência mesma é pura dor.
Naquele jardim...
2
Naquele jardim da nossa estância
Onde corríamos em meio a vagalumes
Que ornavam nossos corpos com seus lumes
Quando fruíamos a noite dessa infância,
Ali entre touceiras multicores
Mas azuladas pela luz desse luar
(ainda sinto das flores o perfume
e as batidas do meu peito a galopar...)
Deitada sob o peso de um guri
Sentindo palpitar seu coração
E entre minhas coxas seu “pipi’,
Calado meu gritinho, amor e dor,
Pelos lábios ardentes de um irmão
Precoce, amoroso... estuprador!
Sob a a macieira...
3
Sob a macieira do pomar
Onde gravei meu coração,
Aí o encontrava pra brincar
Num balanço, por si só uma canção.
E lembro que voava aos seus impulsos,
Sentindo como quem quase desmaia,
As carícias do vento sob a saia
Causando um arrepio até os pulsos,
E então eu me lancei naquele dia,
Do balanço em seu ponto mais alto
Para cair, morrer como quem cria,
E assim logo amparada por seu braço
Poder entregar-me como um salto
De quem tem no pescoço um doce laço.
Ai, Rôdo, eu me vejo...
4
Ai, Rôdo, eu me vejo ali caída,
E em seguida à tua doce aflição,
Em choque no alcatifado chão,
Antes de sentir a saia erguida.
E então (a minha vulva ainda sente)
Com teu pequeno pênis já tão ávido
Me penetraste o hímen complacente
Com teu ardor precoce, tão impávido.
E ficaste em mim, mas só por ti,
Entrando e saindo, encantador,
Que eu não mais sentia qualquer dor;
E resolveste, por seres um guri,
Gemendo de um modo assustador,
Fazer dentro de mim o teu xixi.
Ai, Rodo, ai Pampa...
5
Ai, Rôdo, ai Pampa, em meu pomar
Me lembro, depois, ao levantar,
Como sentia as coxas escorridas
Desde as pequenas fendas invadidas
E esse rio de urina (assim pensava)
Corria até os meus pezinhos
Produzindo uma volúpia que assustava
Por fazer-me desejar mais tais carinhos.
Pois no teu ardor, meu pobre Rôdo,
Quiseste colocar teu penisinho
No outro orifício cor de cobre
Depois de introduzir na fenda nobre
Puseste-me de borco, em grito: “eu fodo!”
Para invadir o meu sujo buraquinho.
Naqueles dias...
6
Naqueles dias eu vivia intensamente
Sentindo a minha carne degustada,
Guria, infanta nua, devassada,
Queria ser assim eternamente.
Mas lembro, todavia, o lance estranho:
Minha mãe, de noite, desvelando,
Tirando-me a calcinha, examinando,
Na pombinha, vestígios: sangue e ranho.
Mas eu já descobrira a plenitude
De ser pequena fêmea, mais que “mana”
Fazendo do meu “dar”, uma virtude.
E querendo mais doar, mais ser tomada,
Pelo amor e pela dor de ser humana,
Por coragem e desafio à finitude.
Tanto que voltei...
7
Tanto que voltei ao meu pomar
Tanto que o irmão me conheceu
Tornando-se um amante exemplar,
Inocente como a prece de um ateu.
Erguemos nosso altar a Dioniso
Defronte à minha ara, a macieira;
Não ligamos aos sinais e ao aviso
De Matilde, minha aia alcoviteira.
Tomados de uma tão doce paixão
(posso ao menos assim falar por mim)
Embora se tratasse de um irmão,
Pois viril demais, e com malícia
Precoce, produzia mais delícia...
Piá, que só não era um querubim.
Ó pequena divindade...
8
Ó pequena divindade alcoviteira,
E numes que constante eu invocava
Diante da minha bela macieira
Onde tão feliz me desnudava.
Pequena hetaera infante eu me tornara,
Votada a uma tragédia, fosse frágil
Se não à alegria devotara
Minha vida de poeta, mente ágil
Mas que guarda o horror daquele instante
Em que flagrados fomos e humilhados,
Pelos pulsos do solo levantados
E obrigados a cobrir, naquela trilha,
Com a mão o doce pássaro cantante
Que incauto nos pousara na virilha.
Muito tempo passar-se...
9
Muito tempo passar-se haveria...
Não pudemos repartir a juventude
Pois a águia guardiã da tal virtude
Expulsou-nos do pomar da alegria.
Rôdo, meu irmão, ah! Quanta pena...
Não podermos caminhar naquela senda
De um doce paraíso de encomenda,
Pois algo pune a inocência e nos condena.
E se ambos conservamos a pureza,
Tanto maior a rebeldia e nosso mérito:
Não poderão tratar-nos com dureza,
Que continuo a amar o amor pretérito,
O amor presente e talvez algum futuro
Mantendo o coração alegre e puro.
Epílogo
10
Nesta estância tão antiga, dos avó,
E antes deles outros tantos como nós,
As paixões escorrem pelas vinhas
Ou escalam as paredes qual gavinhas.
Mas nada se assemelha ao meu segredo
Que abro, meu leitor, a ti, sem medo
Pois és meu confessor sem rosto ou voz,
Que espero não se torne meu algoz.
Assim vou purgar ante vocês,
Cada momento, assim, ou cada lance
Para que o sentido então alcance
Das emoções tão vivas que causaram
As carícias venais, mas muito doces,
Pois, minh'alma, não o corpo, violaram...
04/10/2004
quinta-feira, 26 de julho de 2007
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