quarta-feira, 18 de julho de 2007

Novos Sonetos da Alma - A Viagem (de Alma Welt)

(Os ciclos de sonetos da Alma quando lidos em seqüência
e na ordem correta contam uma estória de amor (ou paixão) completa, com começo, meio e fim. Por isso aconselhamos os queridos leitores a assim fazê-lo para apreciarem essa curiosa característica da nossa poetisa,
embora os sonetos ao mesmo tempo tenham autonomia e possam ser lidos avulsamente. (nota da editora)

Novos Sonetos da Alma
(A Viagem)

Prólogo

1
Cai a noite, como tampa marchetada
De estrelas e memórias, sobre a mente,
No silêncio que me põe mais acordada
Minha vida vai passando, tão fluente

Ante meus olhos, que uma vaga nostalgia
Mantém semicerrados na neblina
Como sonâmbula a vagar na noite fria
Levada para onde o ser se inclina

E as memórias são mais doces, mais amenas,
Perspassando o coração que não desvia
Desse bando noturno de falenas.

Vejo, então, os meus amores desfilando
Como espectros na noite, me cobrando
O amor fiel, sem fim, que eu prometia.



Crazy Horse

2
Amor meu, desperte-me as centelhas,
Estou plena de ti, assim, por dentro
Mas falta-me o teu sopro, teu alento
Por fora, na minha nuca e nas orelhas.

Que falta me faz o teu abraço!...
Teu corpo assim colado nos meus seios
Teu membro em permanente inchaço
Procurando-me por todos os seus meios

Adentrar-me, assim, quase varada
Sofregamente, depressa, já sem freios
Como um cavalo louco em disparada

Pelas sendas da minha carne devassada
Que se entrega como ouro nos seus veios
Desta terra prometida, conquistada!



Luso coração

3
Estou triste, afinal, que coisa brava
Pr’aquela que cultua a Alegria!
Minha alma germânica vencia
O luso coração, e comandava...

Cai o vazio, enfim, sobre este peito
Finalmente vencido, extenuado:
Estou triste, estou só, neste meu leito
Que eu buscava manter sempre ocupado.

O amor tinha seu tempo e agora passa,
Deixou-me como era de supor
Pois tudo vai e vem, como na praça

Os passantes, alheios passageiros
Que percorrem anódinos canteiros
Vagando, numa espécie de estupor.



O Vizinho

4
Ando pelas ruas distraída
Mas atenta ao coração que em mim comanda
Sei que sou olhada, percebida,
Mas finjo como alguém que apenas anda

Por andar, por aí, assim a esmo
E louca, acredita ser achada
Por aquele seu amor, pelo Amor mesmo
Bastando que se ponha na calçada.

Estou perdida, volto envergonhada
E pego o elevador pro meu apê
Com um suspiro mal a porta foi fechada,

E logo ruborizo, ante um vizinho
Que esqueceu a sua chave e não me vê
Procurando nos bolsos, coitadinho.



O Pião

5
Lanço quadros a esmo, em desatino:
Que me resta, então, senão pintar?
Não, não devo assim me maltratar
Blasfemando contra o dom e o destino.

Devo lembrar que sou artista, e que me basto!
Mas, ai, quero chorar, morrer, quero gritar
Sem amor, sem ele, o Nefasto,
Quem sou eu, quem sou, se não amar?

Devo, pois, de mim me envergonhar?
Não és ninguém, ó Alma, que és do Mundo
E não consegues estar sozinha sem chorar !

Volta ao teu eixo, pião, em minha palma
Que estou cambaleando em minha alma
E então temo cair até cair até o fundo!



O Abraço

6
Hoje acordo chorando, tão perdida
Meu corpo cobrando seu contato,
O abraço que me deu em despedida
O sinto em minha pele, pelo tato

Mas dói e arde mesmo qual ferida
E me contorço buscando recompô-lo
No espaço em que me encontro inserida
Buscando o seu contorno, sem consolo.

Tateio-me, abraço-me, introduzo
Meus dedos em fendas e orifícios
Que encontro no meu corpo tão confuso,

Em meus seios, assim manipulados,
Tateados, somente em artifícios,
Meus punhos, em súplica juntados!...



A Viagem

7
Faço as malas, sem forças, muito lenta.
Preciso sair deste buraco,
Pegar uma estrada sonolenta,
Dormir, assim levada como um saco

Sem saber ao certo o meu destino,
Espero encontrá-lo por acaso,
Contradição em termos, que eu atino
Perdida em devaneios, sem atraso,

Num percurso de rumo ignorado,
Que assim quis ao comprar o meu bilhete
No primeiro guichê que foi achado.

Buscando dissipar-me vou a esmo
Como cinzas jogadas na corrente
De um rio que nem sabe de si mesmo.



A praça

8
Me sento nesta praça ignorada
Apenas com meu saco de viagem
Numa aldeia qualquer, nesta parada,
Deixo o ônibus seguir como uma aragem.

E sinto a sensação de liberdade
De estar assim desamparada,
Apenas com meu ser e minha verdade
Embora da tristeza acompanhada

Quando em volta um burburinho principia,
Da beleza e juventude que me guia
Dou-me conta, agora já sem tédio.

Montarei meu cavalete nesta praça
Defronte a esta igrejinha em sua graça,
Onde Amor talvez comece o seu assédio.



O Encontro

9
Este jovem com seus traços decididos
Olhar azul e cabelos tão compridos
Sentado em minha frente nesse banco
Há horas, percebo, pois é manco,

Seus olhos não param de me olhar
E já vejo que o amor que o está tomando,
De tão grande, afinal, quer desbordar
E dirige-se a mim, já claudicando.

Entrego minha mão, que ele colhe,
Abandonando meus pincéis e a paleta,
Deixo-o levar-me, um tanto mole

Pois Amor aproximou-se sem muleta
Essa era a chave, eu sabia, e a condição
Para este novo despertar do coração.


Aquiles

10
Acordo neste quarto de pensão
Em lençóis que já vejo como meus.
Ao meu lado, este Adônis do Sertão
Que examino, adormecido com um deus.

Sua perfeição é destacável
Desta pouca imperfeição de um calcanhar
Que, como Aquiles, enternece e faz sonhar
Com um herói que é menino e vulnerável.

E espero o despertar do novo amor
Que soube atingir-me o coração
Com seu silêncio, diamante tão sem jaça

Pois seu olhar ardente em devoção
Nem por sombra desviou-se de pudor
Quando encontrou o meu naquela praça..



O poeta

11
Estou feliz novamente, estou amando
E sou amada, o que pra mim é quase o mesmo.
Este jovem do sertão, se levantando
Revelou-se poeta com torresmo.

Estou brincando, é claro, tão contente
Que não há rima nova que eu não tente,
Ou experiência pura, que desperte
Uma nova emoção, que me diverte.

Não me canso, pois, de dar-me inteira
Ao pequeno poeta decidido
Que logrou atingir-me de primeira

Com a seta certeira de um olhar
Embora sua poesia sem sentido,
Confesso, deixa um pouco a desejar...


A Volta

12
Estou de volta, a mim e à minha arte
Celebrando a alegria no ateliê.
Rolei um pouco por aí, em qualquer parte,
Amei e dei bastante, já se vê...

O que importa é amar e até sofrer
Mas ser inteira, feliz e sempre atenta,
Interessada em tudo, e no viver
A vida sob o sol, que se contenta

Em ser, e tudo ser em sendo ímpar,
Viver a vida, o gozo e mesmo a dor
Sem renegar jamais o dom de amar

E mesmo envelhecer, louvando o Amor
Que nos permite imitá-lo, à vontade,
Pois reserva pra si a eternidade.


FIM

23/08/2003

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