terça-feira, 17 de julho de 2007

Sonetos Amorosos da Alma (de Alma Welt)

Prólogo

1
Ouvir e ver, acima e por dentro
Assim quer o coração submetido.
A alma vela a vida bem no centro,
Com seu sussurro vago ao pé do ouvido.

O que ela diz, a Alma, esta mocinha
Em sua candura eterna, Psiquê?
O que pode interessar, se ela caminha
Só pra colher da vida o seu buquê?

Paixão, senhor, é o território dela
Que tem as suas fronteiras alargadas,
Pois espaço é o que querem suas passadas...

E a moça decidida, alça a vela,
Sabe bem o que quer, tem ambição,
Conspirando com o vento, ó coração!

O sommelier

2
Ai, amor, que queres mais?
Estou rendida, exausta, derrotada.
Toma-me pois, me leva, aonde vais?
Leva-me contigo nessa tua escalada!

Tenho o corpo nu, o pêlo nada espesso,
Ofereço-me toda, virando-me do avesso,
Mostrando o orifício, sua mucosa
Que desabrocha aos teus olhos, como rosa.

Colhe minha seiva, na taça assim melosa,
Degusta-a, provando o meu sabor,
Conhece meu buquê, o seu odor...

Depois não classifiques, nem me sirvas
A outro, eu peço, enquanto vivas,
Que só tu sabes minha safra, ó provador!


A aranha

3
Acordo neste leito, entre sonhos
Sob branco lençol, qual minha pele,
Estendo os braços, por ora tão sosinhos
E o derradeiro sonho se repele.

Não quero mais sonhar, não mais dormir.
Quero amor, verdadeiro, nos meus braços;
Vou banhar meus pelos tão escassos,
Meus longos cabelos, e partir

À caça, sim, à caça! Que se cuide
A presa potencial, beleza jovem,
Homem ou mulher, que ambos me comovem.

E então, vou enredá-la com meu charme
Como teia de uma Aracne, que lide
Com delicado fio, com que me arme...


O Arqueiro

4
Circulo por estes quarteirões
Dos “Jardins”, que não temo assim dize-lo
Passarela do fútil e do belo,
Onde se dissipam corações.

E eu que vim do sul sozinha,
Por aqui montando o ateliê,
Sinto falta do pampa e da vinha
E estou morrendo à mingua, já se vê...

Guia-me pois, Amor, com esta seta,
A única que sobrou e que te cedo,
Não tenho mais tiros, só a meta

E o coração não pode fazer feio
De uma vez mais perder nesse torneio,
Pois de que possa errar eu tenho medo...


A serpente

5
Jovem mulher que o meu olhar cativa
No meio da calçada em frente à loja
De sutiãs e de calcinhas, sugestiva,
Abordo como quem nunca se arroja

Tímida também, e com candura
Recolho as chaves que deixou cair,
Tocando-lhe a palma com brandura
Pra que possa já um toque meu sentir.

Meu sotaque sulista é uma teia
Que a envolve, ou então que a desvela;
Jogo as cartas que tenho, nada feia,

Ao contrário, me sei talmente bela
Que sinto legítima a manobra
De mesmérico fascínio, como cobra.



O cerco

6
Convido a nova amiga p’rum café
E trago-a para o estúdio, logo então,
A pretexto de mostrar um quadro até
Ou faze-la provar um chimarrão.

Como é bela!... e sabe o que a espera,
Pois percebo-lhe no seio a excitação,
No ligeiro acelerar do coração
Enquanto a bebida ela tempera .

Evito a falação, de nós, mulheres,
P’ra que o clima sensível não se perca
Enquanto vou servindo: “O que queres?...”

E falo devagar, sem tom simplório,
Cada vez mais perto, lanço a cerca
Em torno desse novo território...



Pas-de-deux

7
Estamos assim nuas neste leito,
Comovidas com o toque e a beleza
De nossos próprios corpos e a leveza
Do timbre com que tudo isso foi feito.

Nada foi forçado nesta dança
Fluente e de tão doce harmonia
De nossos gestos enquanto Amor avança
Que deixamo-lhe sentir nossa alegria

Leitor, voyeur, nessas ousadas
Manobras que aqui você já vê
Como num filme, vídeo ou DVD.

Risos, sussurros, gargalhadas,
Enquanto fazemos “pas-de-deux”
Na horizontal, ante a platéia, que é você...



Coração doido

8
Levanta, ó meu amor, que há tanto velo
E espero ver a luz nos teus cabelos!
Espera aqui no leito meus desvelos
Com o café que trarei tão farto e belo.

Quero servir-te como a uma princesa
E espero que meu leito não te doa,
Que eu não tenha esquecido um grão à toa
Sob o colchão, p’ra provar tua realeza.

Serei a tua escrava, não me tolhas
De ordenar-me serviços, e em restrição
Enfiar-me se quiseres umas rolhas

P’ra que não mais me entregue a ninguém
Senão à minha princesa, e também
P’ra que preserve o doido coração...



Obra-prima

9
Estou feliz demais, assim amando
A primeira que encontrei entre a mais belas;
Outrora, com isso me frustrando
Agora me descubro como elas.

O amor esculpe e pinta como gênio
Dando ao nosso brilho novo olhar;
Cria como artista de um milênio
E não se cansa nunca de criar.

Tenho o olhar brilhante, o lábio cheio,
O seio arfante, farto, a palpitar,
Não tenho nada errado, nada feio,

E a perfeição, em mim, chego a adorar
Pois Amor é isso, assim nos quer:
Em plenitude, em nossa glória de mulher!

Epílogo

10
Em ciranda, rodando numa pista
Nestes sonetos comando a encenação.
Sou diretora, atriz e roteirista
E compus também o tema da canção.

Cantando todos juntos de mãos dadas
Na apoteose, o estribilho e o refrão
Que louva só o amor. E as trapalhadas,
Que cômicas e ternas elas são!...

Neste musical, ó Alma, falas
De um novo prisma, foco e entonação
Que tudo vês, até o que tu calas...

Enquanto a platéia se comove
Cai o pano, lentamente ele se move
Vindo de cima... enquanto cantas, coração!

2002

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